Em uma votação histórica, a Câmara dos Deputados aprovou ontem em dois turnos a Reforma Tributária em primeiro turno. Foram 371 votos a favor e 121 contrários. O texto será promulgado na próxima semana, marcando uma mudança histórica no sistema de impostos do país.
Após quase quatro décadas de discussões, o Brasil caminhará para um modelo já adotado em outros países, com unificação de impostos e facilitação da cobrança. O impasse, que dura desde a redemocratização, chega ao fim após uma série de negociações entre Câmara e Senado, além da participação do Ministério da Fazenda.
Terminada a votação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou:
— A Câmara e o Senado marcam definitivamente, com a votação de hoje, um grande feito.
Haddad: alíquota de 27,5%
O texto aprovado suprime algumas das mudanças feitas pelo Senado, mas mantém os princípios básicos da proposta, de simplificação e modernização do sistema tributário. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comemorou o resultado e disse que a alíquota geral do imposto, após as alterações na proposta, deve se manter na faixa de 27,5%, patamar que havia sido estimado pela pasta quando foi concluída a votação no Senado.
— Vamos recalcular o impacto, mas vai variar em torno disso — afirmou.
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Título: O que é a reforma tributária?
Subtítulo: O Globo – Economia
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Haddad afirmou que ele e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ligaram para os relatores da reforma nas duas Casas — Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) na Câmara e Eduardo Braga (MDB-AM) no Senado. Segundo o ministro, Lula também telefonaria para Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG):
— É um dia importante, há 40 anos se fala em Reforma Tributária no Brasil.
Os cinco impostos que existem para o consumo de bens e serviços (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) serão substituídos por uma única alíquota a ser paga pelo consumidor: o Imposto sobre Valor Agregado (IVA). O valor do tributo será definido posteriormente em lei complementar. E vai incidir no momento da compra, a chamada cobrança no destino.
— Construímos as soluções necessárias para a Reforma Tributária, que traga mais transparência, mais justiça, mais segurança jurídica e nos coloque em outro patamar de país em relação ao sistema tributário — disse Aguinaldo.
A discussão sobre a necessidade de uma reforma para tornar o sistema de impostos mais simples e mais equilibrado já dura quase 40 anos. O atual modelo brasileiro de tributação foi instituído na década de 1960 e sofreu algumas alterações na Constituição de 1988.
Ao longo dos anos, especialistas afirmam que a tributação sobre consumo se tornou disfuncional, complexa e ineficiente, o que fez o sistema ficar desequilibrado e injusto.
Lira convocou sessão para votar a proposta ontem, dia em que normalmente não há votações no Congresso, porque quer promulgar o texto na próxima semana.
A reforma teve uma primeira aprovação pela Câmara em meados do ano. Depois, foi para o Senado e voltou para análise dos deputados — nunca houve tanta convergência a respeito do tema entre as duas Casas. O texto aprovado está em discussão desde 2019, mas avançou de forma inédita como resultado de uma convergência de esforços entre o Congresso e o governo Lula.
A proposta sempre constava nos discursos de Haddad, que negociou pessoalmente o texto e aceitou um fundo anual de R$ 60 bilhões para estados.
A semana foi de intensas negociações para a Câmara chegar a um texto de consenso, apenas suprimindo alguns pontos do Senado, para que a reforma não voltasse para análise dos senadores.
Duas reuniões na quinta-feira à noite, entre Lira, Pacheco, Aguinaldo e Braga, selaram o acordo que permitiu a votação. Inicialmente, os senadores não admitiam abrir mão das exceções que a Casa incluiu no texto, mas aos poucos foram cedendo.
Um dos pontos de divergência entre as Casas era a Zona Franca de Manaus. O relatório de Aguinaldo mantém o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Ele será aplicado apenas a produtos de outras regiões que também são feitos na Zona Franca, para garantir a competitividade da região.
O texto aprovado pelo Senado determinava a cobrança da Cide (imposto). A diferença é que os recursos da Cide seriam destinados ao Amazonas, enquanto o IPI será nacional. Proteger a região é questão estratégica para a bancada do Norte e para Braga.
O relator retirou a cesta básica estendida (que daria redução de 60% na alíquota do imposto para alguns produtos), mas manteve a alíquota zero para a cesta básica. Foi mantida a prorrogação do incentivo para montadoras do Norte, Nordeste e Centro-Oeste até 2033, o que desagradou a outros estados.
Jabuti dos auditores
Foi incluído um jabuti (elemento estranho ao escopo original do projeto) no texto em destaque, que permite a governadores e prefeitos aprovarem leis nas assembleias para equiparar o salário de auditores fiscais ao teto salarial de servidores da União. Na prática, isso permitiria que a categoria tivesse a remuneração de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
No último destaque da votação, a Câmara não alcançou o quórum necessário para manter a incidência do imposto seletivo sobre armas e munições. Esse imposto incidirá sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
Para Marina Thiago, cofundadora do Movimento Pra Ser Justo, a versão final ficou melhor que a anterior por ter reduzido um pouco as exceções e regimes diferenciados, ou seja, produtos e serviços que não serão tributados pela alíquota padrão do IVA:
— Exceções aumentam a complexidade da tributação, e muitos estudos apontam que elas acabam beneficiando as pessoas mais ricas.
Larissa Longo, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, considerou positiva a extinção da cesta básica estendida. Ela elogiou a redução no número de setores com regimes específicos, com a saída de transporte aéreo e saneamento.
— É só o começo. Os próximos dois anos serão muito intensos em discussão de legislação — disse Larissa, em referência às leis complementares necessárias para colocar o novo sistema de pé.