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Uma data para celebrar conquistas. O Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, rememora a luta pela inclusão produtiva de trabalhadoras e pelo avanço de seus direitos econômicos, trabalhistas, políticos e sociais.
A data, nascida em meio a movimentos operários do início do século XX, capitaneados por mulheres, foi oficializada em 1975 pela Organização das Nações Unidas (ONU) e reforça as vitórias dos movimentos feministas para a promoção da igualdade de gênero e cobra a ampliação da equidade no mundo do trabalho.
Para reconhecer o pioneirismo de mulheres que abrem portas e caminhos para um Brasil melhor por meio de sua atuação profissional, o Correio conta a história de sete profissionais de sucesso. São figuras públicas e anônimas, negras e brancas, consagradas ou no início da carreira, de diferentes áreas, que representam tantas outras trabalhadoras. São Conceição, Marise, Neiva, Raquel, Carla, Sarah e Ana — mulheres que revolucionam seu mundo e mostram, cotidianamente, que a contribuição feminina para o mercado de trabalho não é uma concessão, mas uma necessidade.
Escrita do Brasil pelo mundo
A escritora Conceição Evaristo toma posse com artitas nomeados na Academia Brasileira de Cultura
“Quem nos dá o status de artista é o público. Eu não me consideraria escritora se a minha escrita não tivesse ressonância. Entendi quem era à medida que ganhei meus leitores, que, aliás, são muito diversos, são negros, brancos, jovens, pessoas mais velhas, não só no Brasil, mas no estrangeiro”, afirma Conceição Evaristo.
Uma das mais importantes e prestigiadas vozes da literatura contemporânea brasileira, Conceição encontrou não apenas seu público, mas um lugar na história do país. Na próxima semana, aos 77 anos, se torna uma imortal da Academia Mineira de Letras (AML).
Com três romances publicados, sua produção é também constituída de poemas, contos e ensaios, e em grande parte traduzida para o inglês, francês, árabe, espanhol, eslovaco e italiano. Em 2015, recebeu o Prêmio Jabuti na categoria contos e crônicas pelo livro Olhos D’água e, em 2019, foi a grande homenageada da premiação como personalidade literária, entre tantas outras nomeações.
Nascida em Belo Horizonte, migrou para o Rio de Janeiro na década de 1970, onde estudou letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro e se formou doutora na Universidade Federal Fluminense. Dedicou a prolífera carreira como acadêmica e educadora à área de linguística.
Publicada pela primeira vez aos 44 anos, conta que começou a escrever desde menina. “O que me levava a escrever antes do encontro com o público era a incapacidade de cantar ou dançar. Se tivesse esse dom, ia me libertar por meio da música, aí eu iria ser insuportável”, brinca.
Conceição diz que a literatura é a senha pela qual acessa o mundo e que a escrita e a leitura são seus espaços de indagar o sentido da vida. Por isso, criou o conceito de “escrivivência”, que significa uma escrita feita a partir da vivência de mulheres negras que rejeitam o papel de servidão que a sociedade quer impor a elas. Conceição explica que o termo rememora as mulheres negras escravizadas que eram obrigadas a contar histórias para a prole escravizadora. “Hoje, a autoria negra não tem mais essa função, não é para adormecer a Casa Grande, e, sim, para acordá-la de seus sonhos injustos. Somos donas da nossa escrita, do nosso conteúdo. Esse é um fundamento histórico e ancestral, é a fala dessas mulheres que potencializa nossa escrita hoje, livre.”
Conceição fala que muitos críticos literários não consideram como literatura aquela produzida por grupos sociais subjugados. “A literatura negra é sempre colocada em dúvida, questionam se estamos fazendo ou não arte. Mas minha literatura é capaz de conquistar as pessoas em suas humanidades, sejam quem forem, mesmo isso passando pela minha experiência marcada por uma condição afrodiaspórica, por uma memória de subjugação. Falo de um local particular, mas ela é capaz de mobilizar por trazer personagens cujos dramas e fraquezas revelam a inteireza humana”, argumenta.
Segundo ela, a escrita também é uma forma de vingança. Criada sem pai, nascida na periferia, a escritora alcançou os espaços que as patroas de sua mãe lhe negavam. “Vim de uma realidade que não me colocaria nesse lugar. A sociedade brasileira não espera que uma mulher negra possa ser escritora, intelectual. Sou uma escritora que vende, e isso me coloca em outra classe, hoje, mas não me faz esquecer que ocupo um lugar de exceç
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Marise Ribeiro Nogueira, 59 anos, foi a primeira mulher negra egressa do programa de ação afirmativa do Itamaraty. Diplomata há 20 anos, atualmente é ministra conselheira da embaixada brasileira no Panamá. Filha de um torneiro mecânico e de uma auxiliar administrativa, viu a família se incluir socialmente por meio do serviço público, que abraçaria anos mais tarde.
Assistiu de perto, também, os avanços da diplomacia brasileira em direção à inclusão: quando entrou para a carreira, os profissionais negros (pretos e pardos) correspondiam a apenas 1% dos quadros, hoje, são cerca de 15%.
Segundo ela, pessoas negras têm se beneficiado de ações afirmativas, como o programa do qual participou e que oferecia bolsas para que candidatos negros pudessem se dedicar aos estudos para o Concurso de Admissão à Carreira Diplomática, e, mais tarde, das cotas no serviço público, mas a melhora é tímida e lenta.
“Represento a vitória. Rompi com a invisibilidade, contribuo com a diminuição da sub-representatividade, mas para nós, mulheres negras, ainda há um teto de concreto para o ingresso em carreiras de alto escalão do serviço público. Ou seja, sou vitoriosa, mas não quero que essa vitória seja só minha, até porque é um peso muito grande. A diplomacia é uma carreira de grande prestígio, mas também de grande demanda e responsabilidade. Quando a gente representa um grupo social, isso fica ainda mais pesado. Se você erra, é como se toda aquela categoria errasse, e acertar sempre é impossível para humanos”, afirma.
Carioca, Marise se formou médica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, fez um mestrado na área de radiologia e trabalhou por anos na profissão, mais dois intercâmbios, na Alemanha e na França, a fizeram tomar gosto pela vida no exterior. O desejo de ver mais afro-brasileiros atuando na política internacional foi o ponto de virada para a transição de carreira.
Antes do posto no país da América Central, foi lotada em Brasília, quando também exerceu cargos no governo federal e distrital, em Lima, Buenos Aires e Estados Unidos. Sempre de mudança, Marise ainda é mãe de três meninas, que criou entre um país e outro. “É difícil conciliar carreira com maternidade em qualquer profissão, mas a carreira diplomática cria dificuldades extras. Quando saí do Rio, perdi toda minha rede de apoio, e quando saí do Brasil, o desafio foi ainda maior, porque toda família teve que se adaptar à nova cultura. Não é à toa que entre famílias do serviço internacional, um cônjuge é o provedor e o outro o cuidador, e o cuidado, obviamente, costuma recair mais sobre as mulheres”, conta.
Neiva Guedes é uma das cientistas responsáveis pela preservação das araras azuis
Neiva Guedes é uma das principais pesquisadoras de araras-azuis do país e grande responsável pela preservação da espécie. Nascida em Mato Grosso do Sul e formada bióloga pela Universidade Federal do estado, é doutora em ciências biológicas pela Universidade Estadual de São Paulo.
Aos 62 anos, continua a lutar pela causa pela qual dedicou sua vida. Presidente do Instituto Arara Azul, a professora conta que seu amor pela natureza se agigantou quando viu o animal pela primeira vez, livre, e soube que a espécie estava ameaçada de extinção. “Sempre digo que foi paixão à primeira vista. Não tinha como não me encantar com aquele ser curioso, de um azul cobalto degradê da cabeça até a cauda, com amarelo ouro no entorno dos olhos e da mandíbula. Então, a partir daquele momento que a vi, decidi estudá-la e fazer de tudo para que não desaparecesse.”
Estudando a biologia reprodutiva das araras, Neiva descobriu que faltavam lugares para que se reproduzissem e, então, começou a testar diferentes materiais para confecção de ninhos. A cientista criou uma caixa de madeira da qual as aves gostaram e passaram a usar imediatamente. “Usamos essas caixas até hoje. Já instalamos mais de 800 no Pantanal e no Cerrado. Também recuperamos ninhos naturais que estejam se perdendo. Trabalhamos com ecologia, genética, comportamento, alimentação… E não só da arara-azul, mas de outras espécies que ocorrem ou interagem com ela no mesmo habitat”, explica, pontuando de que forma o instituto vem revertendo a sentença de extinção dos animais.
“Enfrentei muitos desafios. Passei noites em claro, rodando nas estradas ou no campo. Muitas picadas de pernilongos e carrapatos. Muito sol, calor ou frio. Abri mão de muitas coisas. Tive uma vida muito agitada. Me casei, tenho uma filha, atualmente com 21 anos, e quando ela era pequena foi difícil, mas tive apoio da família e consegui me organizar para cuidar da casa, da família e do projeto”, lembra.
Raquel Reis é uma das fundadoras do Mulheres em Dados, maior coletivo de mulheres da área de TI do país
Raquel Cardoso Reis tem apenas 30 anos e uma carreira internacional. Formada em engenharia elétrica pela Universidade de Brasília, iniciou no mundo do trabalho como engenheira, mas, atualmente, atua como analista de dados. A mudança de rumos veio quando percebeu as resistências que encontraria para crescer em uma área com poucas oportunidades para mulheres.
Sem sair do campo das exatas, Raquel fez especialização em ciência de dados e uma transição de carreira calculada. Começou a ganhar experiência com trabalhos extras, participou de diversos processos seletivos, até que conseguiu uma oportunidade com uma startup americana de NFTs. Hoje, ocupa um cargo sênior no setor de serviços financeiros da Hotmart, empresa brasileira de tecnologia educacional.
“Meu plano de carreira é permanecer sempre em movimento. A área de dados é muito dinâmica, acho bem difícil conseguir prever quais serão as melhores apostas para o meu futuro. Mas pretendo continuar estudando, aplicando meus conhecimentos e buscando estar em projetos relevantes”, ambiciona.
Apesar de ter conquistado uma maior projeção na carreira de tecnologia da informação (TI) do que na engenharia, Raquel pondera que a área também é predominantemente masculina e carece de representatividade de mulheres em cargos de liderança. “É muito importante para uma mulher ver que outra, como ela, conseguiu alcançar esses lugares. Ainda é necessário falar sobre machismo no mundo do trabalho porque estamos longe de uma equidade”, diz.
Para ajudar outras colegas, ela criou, com outras profissionais de TI, o Mulheres em Dados, a maior comunidade feminina na área do Brasil, com 28 mil seguidores no LinkedIn. “Começamos com um grupo de 10 mulheres espalhadas pelo país, para que não nos sentíssemos mais tão sozinhas em nossa atuação. Hoje, são 8.800 colegas e temos um espaço para trocar dicas sobre a área, divulgar vagas, fazer encontros de capacitação, sempre com a mentalidade de que uma puxa a outra”, conta.
A analista afirma que a inserção feminina em cursos de exatas é menor por questões culturais: “Acreditase que mulheres possuem uma performance melhor em outras áreas. Mas, na medida em que incentivamos umas às outras a buscar nossos sonhos, sem nenhum viés, mais mulheres vão se interessar pela área de exatas também.”
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Carla Moussalli, 33 anos, é cofundadora da Plenapausa, empresa voltada a levar informação, cuidado e tratamento para mulheres com mais de 40 anos de idade que estão na menopausa.
Advogada formada pela PUCSão Paulo e pós-graduada em inovação e empreendedorismo em saúde, Carla queria criar uma empresa que oferecesse acolhimento para as mulheres que atravessam essa fase da vida. “A menopausa é vista como um estigma, um tabu. Nós queremos que as pessoas conheçam a importância desse assunto”, diz.
A ideia para o negócio começou com uma história que ela e a sócia, Márcia Cunha, tinham em comum: “Nossas mães sofreram com problemas de saúde relacionados à menopausa, e víamos a relevância de desmistificar esse assunto e levar o conhecimento para outras mulheres, para que elas possam voltar a ter qualidade de vida nesse período.”
A empresa fornece um teste, produzido por ginecologistas, para saber se a pessoa entrou ou não no climatério, período de transição para a menopausa. Se o resultado der positivo, a Plenapausa oferece diversos serviços de acolhimento com profissionais da saúde e a opção de participar de uma roda de apoio com outras mulheres que também estão vivendo essa fase. A empresa também produz suplementos para combater os sintomas da menopausa.
Carla acredita que empreender para outras mulheres é um privilégio e que é possível crescer mesmo em mercados dominados por homens. “Para o futuro, queremos que nossa empresa avance ainda mais, para cuidar da saúde feminina e ser uma inspiração para elas.”
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Sarah Delma tem 36 anos e atua como consultora legislativa na área de Constituição e Justiça da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Ganhou as páginas dos jornais como secretária da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Atos Antidemocráticos no DF. A condução dos trabalhos em uma das mais delicadas investigações parlamentares dos últimos anos lhe rendeu a Medalha do Exército Brasileiro, honraria raramente concedida a uma mulher.
“Não senti resistência dos parlamentares na condução da CPI por ser mulher, me senti, na verdade, muito reconhecida pela minha competência. Mas nós sabemos, uma mulher, para ocupar lugares de destaque como esse, tem que demonstrar três vezes mais competência do que um homem demonstraria para alcançar o mesmo espaço, então posso dizer que foi um caminho muito árduo”, conta.
E a trajetória de Sarah foi de constante comprovação de competência. Aprovada em 21 concursos, diversos entre os primeiros lugares, no Judiciário Federal, no Executivo Federal e Distrital, a paraibana chegou a Brasília determinada a se tornar servidora pública. “Cheguei aqui com uma mala de livros e outra de roupas, em 2013. Eu tinha apenas um sonho e fui construindo meu caminho”, lembra.
Formada em direito e relações internacionais pelas universidades federal e estadual da Paraíba, Sarah contou com a ajuda dos pais para se sustentar durante o período de estudos na capital, que durou cinco anos. Nesse tempo, chegou a tomar posse em um dos concursos que foi aprovada, mas abdicou do emprego para se dedicar à preparação para a carreira que realmente almejava, de consultoria legislativa. Foi quando estabeleceu uma rotina de cerca de 10h de estudo por dia.
“Abri mão de namoro, de estar perto da minha família, de quase tudo dá prazer para estudar, mas sabia que só iria dar certo se me dedicasse tanto. Sei que pouquíssimas pessoas no Brasil têm o privilégio de apenas estudar, mas eu aproveitei a oportunidade e valeu a pena”, celebra.
Sarah acredita que o processo de estudo para carreiras de alto desempenho na administração pública forja bom servidores: “Foram anos de muita renúncia e solidão, porque estudar é uma prática solitária, mas que me levaram a exercer minha carreira de forma mais excelente, a dar mais valor a essa função de serviço à sociedade.”
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Ana Paula Bastos, 49 anos, é educadora da Secretaria de Educação do Distrito Federal. Como diretora do Centro de Ensino Fundamental (CEF) da 306 Norte, foi responsável por mudanças nas diretrizes pedagógicas da escola que a colocaram em um patamar de excelência na educação pública da cidade.
O primeiro contato com a área foi na adolescência, quando cursou magistério na Escola Normal de Brasília. Mais tarde, Ana Paula decidiu cursar pedagogia no Centro Universitário de Brasília (CEUB), acreditando ser sua vocação. “Para ser professor, não basta amor, também precisa ter vocação, porque, aí, se tem ânimo para inovar, para lutar pelos direitos dos alunos e da própria escola”, defende.
Um ano antes de se formar, fez o concurso da Secretaria da Educação, mas, quando conferiu o resultado e soube que estava nas últimas colocações, foi trabalhar em uma livraria. Ana estava tão envolvida no emprego que, quando foi chamada para trabalhar em uma escola, hesitou em aceitar. No entanto, topou o desafio e trabalhou por um tempo com crianças pequenas, substituindo uma profissional que estava de licença maternidade. Pouco tempo depois, se tornaria diretora do Jardim de Infância da 302 Norte.
Depois de três anos trabalhando com educação infantil, em 2008, a educadora foi lotada no CEF 306 Norte como supervisora administrativa. Devido a seu bom desempenho no trabalho, o então diretor propôs a ela que prestasse o concurso para a diretoria da escola. Ana Paula ganhou o cargo e passou 15 anos no comando do centro de ensino.
Segundo ela, um dos seus principais desafios era a inclusão de alunos que estavam fora da idade regular, mas não haviam concluído o ensino fundamental. Foi, então, que a diretora desenvolveu uma metodologia de aprendizagem que centraliza as habilidades dos alunos, focando no desenvolvimento de seus pontos fracos.
O projeto, multidisciplinar, era aplicado até mesmo nas aulas de educação física, quando, durante a prática dos esportes, os professores trabalhavam também conceitos de inteligência emocional. A iniciativa rendeu à escola diversos prêmios, dentre eles, uma premiação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e uma medalha de ouro na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP).
Apesar dos resultados positivos, Ana Paula conta que enfrentou o descrédito de muitos pais. “No meu primeiro ano na escola, eu tinha 34 anos, e cansei de ouvir as pessoas procurando pelo ‘diretor’. Quando descobriam que era uma diretora e que era eu, eles falavam: ‘nossa, mas a diretora é aquela garotinha?’.
* Estagiários sob a supervisão de Priscila Crispi