Alexandre Nero e Renato Goés apresentam Marco Aurélio e Ivan, de ‘Vale tudo’; veja fotos

“Uisquinho pro doutor Marco Aurélio, por favor”, pediu o diretor Cristiano Marques. Com a bebida na mão, o ator Alexandre Nero incorporou o arrogante empresário que, em cena, se recusou a ser apresentado a Ivan, seu mero subalterno, interpretado por Renato Góes. Os dois atores — mais alguns colegas de elenco e dezenas de figurantes — estavam, semana passada, numa casa de festas alugada pela TV Globo em Ilha de Guaratiba, Zona Oeste do Rio, onde foram gravadas cenas de “Vale tudo”, novela das 21h que sucede “Mania de você” no fim de março.

Marco Aurélio e Ivan são dois dos principais personagens masculinos da trama, escrita por Manuela Dias, com direção artística de Paulo Silvestrini. Uma das maiores apostas da emissora neste ano, a novela é uma releitura de uma das obras-primas da teledramaturgia brasileira. Concebida por Gilberto Braga e escrita em parceria com Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, a “Vale tudo” original estreou em 1988, época de profundo pessimismo econômico causado pela galopante inflação dos anos Sarney.

A história central girava em torno de Raquel (em 1988, Regina Duarte; em 2025, Taís Araujo) uma mulher muito honesta, e a filha dela, a inescrupulosa Maria de Fátima (antes, Gloria Pires; agora Bella Campos), certa de que a retidão nunca lhe daria o poder, a fama e a riqueza que almejava. Ao redor das duas, estavam outros tantos tipos, entre folgados, trabalhadores e milionários — cada um com sua concepção de ética. Na época, a grande pergunta feita pela obra era: “vale a pena ser honesto no Brasil?”.

—Depois que revi a primeira semana da original no Globoplay, tive certeza de que merecia um remake — disse Nero, num dos intervalos da gravação. —Mas com atualizações, porque, apesar de maravilhosa, é uma novela datada.

Atualizando um clássico

Os 37 anos que separam as duas versões foram tempo suficiente para que algumas narrativas envelhecessem. Não à toa, o Globoplay coloca o aviso, antes de cada capítulo da versão original, de que a obra pode conter “representações e estereótipos da época em que foi realizada”.

Embora a história central seja a mesma, garante Manuela Dias, e a essência dos personagens também, foi preciso alterações.

—Hoje em dia, por exemplo, quem vende sanduíche na praia está atuando dentro de um contexto de empreendedorismo e não de “bico”, como isso era visto e vivido nos anos 1980 — disse a autora sobre a atividade de Raquel quando chega no Rio em busca da filha.

Em Raquel e Fátima, aliás, está outra gigantesca mudança: as duas, em 2025, são mulheres negras. Em 1988, a novela teve apenas dois negros no elenco: Fernando Almeida como Gildo (com frequência chamado de “pivete” nos diálogos) e Zeni Pereira como a empregada doméstica Zezé, ambos papéis secundários.

—Raquel é uma mulher tão brasileira: simples, do corre — disse Taís, depois de uma cena em que o figurino deixava à mostra sua tatuagem cenográfica: “Maria de Fátima” no lado esquerdo do peito. — Quando leio (os roteiros), vejo que faz todo sentido ser uma mulher preta nesse personagem em 2025. Já faria em 1988.

É coerente também que a Tomorrow, antes uma revista de moda que Fátima usava como trampolim para o sucesso, seja convertida em agência de conteúdo, perfeitamente alinhada ao sonho da golpista de virar influenciadora digital.

— Poder, fama e influência estão sempre presentes em qualquer sociedade — disse Manuela. — O que muda é o que gera fama, o que é poder e quais são as ferramentas usadas pelos “influenciadores” de cada época. Sócrates era um grande influencer na Grécia; o logos, a palavra, já era poder naquela época. A rede social dele era a ágora, a praça. Em 1988, as revistas eram veículos de ponta. Hoje, faz sentido a Tomorrow ter uma atuação mais ampla.

A “festa” que O GLOBO acompanhou foi parte dessa diversificação de atuação da Tomorrow. Marco Aurélio, Ivan e Raquel estavam no prêmio “Mulher representa”, organizado pela agência para celebrar lideranças femininas. A cantora Iza comandou o som; a líder indígena Txai Suruí foi a grande homenageada. Palavras como “resiliência”, “sororidade” e outras pouco usadas na década de 1980 estavam espalhadas pelo cenário em chamativos banners — para desespero de Marco Aurélio.

— Ele acha um saco, ri dessa festa, odeia tudo — disse Nero. — Tive que falar para a Txai: “desculpa o que vou fazer, mas não sou eu, é o Marco Aurélio”.

Enquanto Nero dá pistas sobre o que esperar do reprovável comportamento do empresário (“um racismo estrutural, uma homofobia estrutural”, ainda que velada), Renato Góes adianta que Ivan é uma “balança” entre a honestidade de Raquel e a picaretagem de Fátima:

—Não existe ninguém tão 100% correto, que não minta, que não dê uma ajustada numa história. A mãe se põe em segundo, terceiro, quarto lugar. A filha se coloca em primeiro. No meio disso está o Ivan, que representa muito o brasileiro.

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