“Kotscho, espero que tenha feito boa viagem. Quando voltar a postar, nos brinde com um relato de viagem, certo?”.
O pedido acima é do leitor Cláudio Freire e me foi enviado nesta quinta-feira, às 13h14, mal havia entrado em casa após uma breve viagem à Itália. Bem que eu gostaria de atender à sugestão do leitor, mas, a esta altura, já tinham me pedido para escrever sobre a morte de Márcio Thomas Bastos . Os fatos não marcam hora e costumam fugir do nosso controle, não deixam a gente mudar de assunto.
Minha pauta obrigatória hoje, dia 21 de novembro de 2014, seria escrever sobre a interminável novela da nomeação do novo ministro da Fazenda pela presidente reeleita Dilma Rousseff. Até já falei sobre isso na noite anterior no Jornal da Record News.
Logo ao abrir o jornal nesta manhã, porém, um assunto se impôs quando bati o olho no título “Nunca se roubou tão pouco”, no alto da página A3 da Folha. De tudo o que se escreveu sobre o apocalítico cenário político-econômico vivido pelo país neste período pós-eleitoral, que em nada mudou nos meus dez dias de ausência, o artigo assinado pelo empresário Ricardo Semler faz a mais lúcida, honesta, precisa e equilibrada análise da situação que já li na nossa imprensa.
Por isso, vou aqui abrir uma exceção. Não tenho por hábito reproduzir textos alheios, mas nada que eu escrevesse seria melhor e mais útil para os leitores para entenderem o que está acontecendo do que transcrever os dez primeiros parágrafos do artigo deste empreendedor brasileiro de 55 anos, sócio da Semco Partners, professor visitante da Harvard Law School e professor de MBA no MIT _ Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos. É autor do livro “Virando a própria mesa”.
“Não sendo petista, e sim tucano, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país”, diz a chamada em destaque no artigo.
Transcrevo:
“Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente. Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito.
Não há no mundo dos negócios quem não saiba disso. Nem qualquer um dos 86 mil honrados funcionários que nada ganham com a bandalheira da cúpula.
Os porcentuais caíram, foi só isso que mudou. Até em Paris sabia-se dos “cochons des dix pour cent”, os porquinhos que cobravam por fora sobre a totalidade da importação de barris de petróleo em décadas passadas.
Agora tem gente fazendo passeata pela volta dos militares ao poder e uma elite escandalizada com os desvios na Petrobras. Santa hipocrisia. Onde estavam os envergonhados do país nas décadas em que houve evasão de R$ 1 trilhão – cem vezes mais do que o caso Petrobras _ pelos empresários?
Virou moda fugir para Miami, mas é justamente a turma de Miami que compra lá com dinheiro sonegado daqui. Que fingimento é esse?
Vejo as pessoas vociferarem contra os nordestinos que garantiram a vitória da presidente Dilma Rousseff. Garantir renda para quem sempre foi preterido no desenvolvimento deveria ser motivo de princípio e de orgulho para um bom brasileiro. Tanto faz o partido.
Não sendo petista, e sim tucano, com ficha orgulhosamente assinada por Franco Montoro, Mário Covas, José Serra e FHC, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país.
É ingênuo quem acha que poderia ter acontecido com qualquer presidente. Com bandalheiras vastamente maiores, nunca a Polícia Federal teria tido autonomia para prender corruptos cujos tentáculos levam ao próprio governo.
Votei pelo fim de um longo ciclo do PT, porque Dilma e o partido dela enfiaram os pés pelas mãos em termos de postura, aceite do sistema corrupto e políticas econômicas.
Mas Dilma agora lidera a todos nós, e preside o país num momento de muito orgulho e esperança. Deixemos de ser hipócritas e reconheçamos que estamos a andar à frente, e velozmente, neste quesito”.
Ricardo Semler dá números para comprovar a sua tese exposta no título do artigo: “A turma global que monitora a corrupção estima que 0,8% do PIB brasileiro é roubado. Esse número já foi de 3,1%, e estimam ter sido na casa dos 5% há poucas décadas. O roubo está caindo, mas como a represa da Cantareira, em São Paulo, está a desnudar o volume barrento”.
Ligando um assunto a outro, pergunto: por que a presidente Dilma Rousseff não convida logo este empresário para o Ministério da Fazenda, em vez de alguém ligado aos rentistas, já que seu objetivo principal é acalmar e animar o “mercado”? Henrique Meirelles também não era tucano quando Lula o chamou para comandar o Banco Central?
Como acho isso meio difícil de acontecer, eu sei, recomendo vivamente a leitura deste artigo ao ministro Gilmar Mendes e a todos os colunistas da nova e da velha mídias que já decretaram ser este caso da Petrobras “o maior escândalo de corrupção da história do país”, quiçá do mundo.
A leitura também faria bem aos empresários e herdeiros da elite paulista, que andam cochichando pelos cantos, chorando suas pitangas, em vez de irem à luta, como fazem, por exemplo, seus colegas nordestinos. O governo pode ser culpado por muita coisa, por quase tudo, menos pela incompetência alheia.
Vida que segue.
Fonte: R7