Colaboradores negros ainda são minoria em cargos executivos

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O mês da Consciência Negra propõe o debate sobre as questões de raça no Brasil. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua — Pnad 2022, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 55,9% da população brasileira se autodeclara parda ou preta, indicações de cor que o IBGE usa para classificar pessoas negras. É a segunda maior população afrodescendente do mundo, atrás apenas da Nigéria.

Apesar de ser maioria numérica, brasileiros negros são minoria em espaços de comando e decisão no mercado de trabalho. De acordo com um levantamento realizado pela Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial com 48 grandes empresas brasileiras, cujo faturamento em 2022 correspondeu a quase 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, apenas 5,8% de seus quadros executivos são ocupados por pessoas negras. Em todos os cargos dessas organizações, este contingente é de apenas 31,5%.

“Se você pensar em ações efetivas de inclusão trabalhista da população negra no Brasil, os números são praticamente os mesmos de 30 anos atrás. A discussão do problema, porém, avançou”, afirma Raphael de Lima Vicente, diretor da Iniciativa. O movimento é formado por instituições comprometidas com a promoção da inclusão racial e a superação do racismo no ambiente corporativo e em toda a sua cadeia de valor.

O advogado e pesquisador defende que o convencimento da sociedade de que o racismo no Brasil existe foi um grande passo rumo à sua superação. “Historicamente, os formadores de opinião do país ou negaram o racismo ou disseram que este é um problema apenas social, de classe. Mas, hoje, temos um consenso de que a inclusão racial é importante. Estamos no meio de uma transformação de pensamento, e isso já é muita coisa”, diz.

Raphael ressalta que, agora, é preciso avançar de um discurso correto para ações práticas que mudem os sistemas de exclusão. “Incluir pretos e pardos será uma vitória do Brasil, não só do povo negro. Muitos executivos têm dificuldade de encontrar soluções para problemas do mercado porque não sabem como chegamos até aqui. A gente passa por cima da questão racial, que influencia diretamente a economia brasileira, e isso nos deixa míopes, incapazes de tratar problemas complexos”, defende.

Além de ampliar as perspectivas em nível decisório, para Neusa Nunes, economista e professora de ciências do consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a entrada de mais pessoas negras no mercado de trabalho traz benefícios financeiros: “Não é uma questão só de equidade e distribuição de renda, é também uma questão de inovação. Se existe diversidade, os produtos e bens são melhores, mais adequados, e se atende a parcelas do mercado que não estavam sendo atendidas.”

Anderson de Paula, superintendente nacional da Caixa Econômica

Em vigência desde 2014, a Lei de Cotas (Lei nº 12.990) reserva 20% das vagas em concursos públicos federais para pessoas que se declarem de cor preta ou parda. A medida mudou a cara dos quadros públicos no país, mas antes mesmo da norma, o ingresso em carreiras do governo já representava uma oportunidade de driblar o racismo para muitos profissionais negros.

Anderson de Paula, 39 anos, é superintendente nacional da Caixa Econômica Federal e trabalha com gestão de risco, compliance e governança de fundos de investimento. Iniciou a carreira no setor público quando ainda não havia políticas afirmativas nos concursos do banco. “Não pude me beneficiar de nenhuma política de cotas, mas no serviço público, em tese, todo mundo começa do mesmo lugar e têm as mesmas oportunidades.”

Anderson pondera que “uma coisa é você entrar, outra, é progredir na carreira. Nunca percebi que minha raça fosse impeditivo ou benefício para evolução dentro da Caixa, mas se você pegar os números de pessoas negras em cargos de chefia, eles não refletem a demografia nem do país, nem da empresa.”

Hoje, com 20 anos de casa, o bancário afirma que uma boa medida para ampliar a diversidade em altos cargos da administração pública seria a inclusão de profissionais com diferentes perfis nas bancas que avaliam as progressões nas carreiras. “Embora eu seja a favor das cotas, é difícil implementar políticas afirmativas para cargos, porque o profissional selecionado pode acabar estigmatizado, com sua qualidade e liderança muito questionadas, o que poderia produzir um efeito reverso ao pretendido nas estruturas hierárquicas”, explica.

Nesse sentido, em sua visão, ter negros decidindo sobre os aspectos subjetivos que são levados em conta na hora de selecionar as chefias, como já é feito no banco com mulheres, poderia mitigar possíveis discriminações.

Usada como justificativa para não contratação de profissionais negros, a falta de capacitação dessa mão de obra deve ser responsabilidade também de empresas que desejam ser reconhecidas como inclusivas. É o que acredita Juliana Kaiser, recrutadora e Diretora do Trilhas de Impacto, startup social que desenvolve soluções para educação corporativa e para a implementação da agenda ESG nas empresas.

A sigla ESG vem do inglês Environmental, Social and Governance, que significa meio ambiente, social e governança, em português. O conceito se refere à responsabilidade socioambiental de empresas em promover o desenvolvimento sustentável. “Com o crescimento dessa pauta, as empresas estão sendo pressionadas a apresentar índices de equidade, e a forma mais eficiente de pensar em sustentabilidade financeira é contratar e manter uma equipe diversa por meio de uma trilha de formação”, afirma Juliana.

A especialista diz que já existem no mercado pessoas negras prontas para ocupação de cargos de liderança, mas ainda há uma dívida histórica a ser paga por meio da educação. “Além do mais, a política de cotas resolve um gargalo de formação acadêmica, mas a gente ainda precisa complementar isso com desenvolvimento humano. Pessoas ricas contratam um mentor ou coaching para as ensinar a linguagem do mundo corporativo, mas as próprias empresas podem ensinar liderança para seus profissionais negros”, defende.

Em um curso gratuito que ministra para jovens negros que estão ingressando no mercado de trabalho, Juliana aborda questões básicas de etiqueta corporativa: como se comportar em uma reunião online ou como redigir um e-mail pedindo retorno de uma entrevista. “Em processos seletivos não inclusivos, as empresas não têm a sensibilidade de saber que pessoas negras, normalmente, vivem em casas pequenas, cheias e barulhentas. Na hora de fazer uma entrevista online, elas vão desclassificar o negro por não ligar a câmera, mas o candidato está tentando se preservar. Nós precisamos ensinar esse jovem como, ao contrário, se colocar”, afirma.

Excluídas do mercado formal e até do informal, muitas vezes, pessoas negras se veem obrigadas a abrirem os próprios negócios — é o chamado empreendedorismo por necessidade. Neusa Nunes explica que, normalmente, as atividades econômicas praticadas neste tipo de empreendimento são operacionais, sem exigência acadêmica relevante.

A professora afirma, porém, que com a ascensão social fruto de políticas públicas para a população negra, implementadas nas últimas décadas, há uma tendência de que o empreendedorismo por este grupo passe a ser planejado e resultado de uma análise de oportunidade do mercado ou de vocação profissional.

“Há consenso entre os economistas de que o governo é responsável por ofertar oportunidades iguais. Cabe ao indivíduo escolher se quer ser professor ou dono da escola, a partir do que as habilidades naturais dele apontam, mas não é razoável que ele tenha que optar por algo porque foi excluído da outra opção”, ela comenta.

Liliane Rocha acaba de assumir cadeira no Conselho Deliberativo do Instituto Tomie Ohtake. Mulheres negras são 3% nesses cargos

Principal grupo destinado ao empreendedorismo de necessidade ou ao trabalho precarizado, mulheres negras ocupam apenas 0,5% dos cargos em conselhos administrativos de empresas, segundo o Índice de Equidade Racial nas Empresas 2023.

Liliane Rocha é uma delas: acaba de assumir o Conselho Deliberativo do Instituto Tomie Ohtake, um dos principais na área de cultura do país. Criada na periferia de São Paulo, começou sua vida profissional em uma grande empresa. “Ali, pela primeira vez, começo a viver em um mundo em que as pessoas tinham alta renda, e foi impactante para mim a ausência de negros nesse ambiente”, lembra, “os jovens negros que entram hoje no mercado têm mais repertório do que eu, há 20 anos, mas em termos de subrepresentatividade, o cenário é muito parecido”, diz.

Mestre em políticas públicas, Liliane conta que ser a única pessoa que representa um grupo inteiro da sociedade dentro de uma organização é um fardo pesado: “Chamamos esse papel de negro simbólico. Quando você traz uma mulher negra para a empresa, você muda a vida dela, mas quando você traz várias, você muda a empresa. Essas pessoas têm que poder falar, divergir. Imagina uma pessoa ter que fazer a voz de 52% da população brasileira? Somos muitos, somos plurais.”

Diego Santos, diretor de marketplace: “É preciso criar um ambiente seguro a ponto de uma pessoa racista jamais se sentir confortável”

Divulgado na semana passada, o Índice de Equidade Racial nas Empresas (IERE) 2023 avaliou ações afirmativas de 48 grandes empresas brasileiras no combate às desigualdades raciais no mercado de trabalho. A publicação é fruto de uma parceria entre a Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, a Faculdade Zumbi dos Palmares (FAZP) e a Afrobras.

O índice também se propõe ser um referencial para orientar empresas acerca do seu estágio no combate ao racismo. Para isso, leva em conta seis pilares de atuação: recenseamento empresarial, conscientização, recrutamento, capacitação, ascensão e publicidade e engajamento.

De forma geral, a pesquisa concluiu que quanto mais colaboradores a organização tem, maior tende a ser seu engajamento com a equidade racial. Quanto à atividade econômica, serviços na área meio, como e-commerces e consultorias, tiveram um desempenho agregado melhor do que demais setores de atividade econômica.

Entre as empresas participantes, que tiveram faturamento em 2022 correspondente a quase 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, cinco se destacaram: Mercado Livre, Corteva, EY, Vivo e PepsiCo.

Primeiro lugar no índice em 2023, o Mercado Livre tem mais de 47% de seu quadro formado por profissionais negros, dentre os 21 mil colaboradores diretos no Brasil, sendo que 20% ocupam posições de liderança e 11% ocupam posições de alta liderança.

“Seguindo nossa cultura de inclusão e meritocracia, triplicamos em dois anos a nossa população negra, sobretudo na liderança. Essse crescimento não foi possível somente por novas contratações, mas, principalmente, pela promoção de talentos negros que cresceram em nossa organização”, explica Angela Faria, head de Diversidade, Equidade e Inclusão da organização.

Diego Santos é diretor de marketplace do Mercado Livre no Brasil e líder do grupo de afinidade racial. “Os grupos de afinidade têm papel fundamental em tudo que fazemos aqui, indo muito além das pautas diárias, chegando até o letramento e engajamento de membros e aliados dessa causa, dentro e fora da empresa.” Ele conta que a empresa tem, ainda, um programa de mentoria, no qual líderes negros orientam outros profissionais negros em sua trajetória de crescimento na organização.

“O que indicaria a outras empresas é olhar para a inclusão não apenas como a coisa certa a se fazer, mas como um valor que vai permitir criar um ambiente seguro e realmente inclusivo, onde a diversidade e equidade sejam naturalmente presentes a ponto de uma pessoa racista jamais se sentir confortável para qualquer tipo de violência ou discriminação”, conclui Diego. (PC)

Conheça os seis pilares do IERE para medir o nível de inclusão racial em empresas

1- Recenseamento empresarial: a medida prevê a realização de uma espécie de censo no quadro funcional. Com os números em mãos, a meta é que a quantidade de profi ssionais negros contratados e em cargos de chefi a se aproxime dos percentuais demográfi cos do país e da região onde a empresa está localizada

2-Conscientização: diz respeito a divulgações sobre inclusão e diversidade racial, bem como criação de espaços de debate sobre o tema, o que inclui a destinação de orçamento específi co. Entre os exemplos, estão a realização de podcasts e palestras, além de eventos pontuais, como a comemoração do Dia da Consciência Negra.

3-Recrutamento: passa pelo nível de fl exibilização do processo seletivo em nome da diversidade racial. Políticas ativas de recrutamento de profi ssionais negros podem se benefi ciar de programas de trainee e estágio para aumentar a contratação de pessoas negras, mas é importante observar também o estabelecimento de metas de contratação para cargos mais elevados.

4-Capacitação: mede o investimento, inclusive orçamentário, no desenvolvimento técnico e pessoal dos profi ssionais negros. Um exemplo são os programas de mentorias em que profi ssionais que ocupam cargos na alta administração orientam profi ssionais negros em níveis hierárquicos mais baixos.

5-Ascensão: refere-se a planos de carreira e critérios de promoção para profi ssionais negros. É preciso estabelecer metas percentuais para a ocupação racial de cargos de liderança por nível hierárquico, incluindo o quadro executivo

6-Publicidade e engajamento: prevê a implementação de ações afi rmativas e criação de canais para recebimento de denúncias de racismo em toda a cadeia produtiva da empresa. Além disso, leva em conta a política de comunicação — peças de design e publicidade devem contemplar a diversidade racial brasileira.


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