Empresas que nasceram virtuais na pandemia estão migrando para o espaço físico

O e-commerce tem registrado um crescimento acelerado nos últimos anos, impulsionado pela praticidade de acesso e pela conveniência de realizar compras a qualquer hora e lugar. No entanto, um movimento tem ganhado força: marcas originalmente digitais estão se expandindo para o mundo físico.

Essa tendência é global. Segundo uma pesquisa do Shopify, baseada em dados da National Retail Federation (a associação de varejo dos Estados Unidos), os shoppings estão recuperando espaço no pós-pandemia, atraindo consumidores da Geração Z, que buscam conectar as experiências on-line às do mundo real. O estudo revela que 80% do volume de vendas no varejo global ocorre no ambiente físico.

As lojas físicas proporcionam uma experiência de compra mais completa, permitindo que os consumidores interajam diretamente com os produtos e recebam um atendimento mais personalizado. Além disso, esses espaços funcionam como uma ferramenta de fortalecimento da marca, criando ambientes imersivos que refletem a essência do negócio e estabelecem conexões mais profundas com o público.

Dados da empresa de pesquisa de mercado CX Trends apontam que cerca de 62% dos consumidores acham que as empresas poderiam fazer um trabalho melhor adaptando suas experiências. Eles querem que as empresas entendam suas necessidades e preferências e adaptem a experiência de compra a essas necessidades.

Para o fundador e presidente da Cherto Consultoria e um dos pioneiros do franchising no Brasil, Marcelo Cherto, muitos consumidores ainda preferem ver, tocar e experimentar os produtos antes de comprar. “Isso faz com que a loja física tenha uma preferência, pois ela permite essa interação, o que tende a aumentar a confiança do consumidor ao fazer uma compra”, disse. “Dependendo da sua experiência, essa compra pode até ser repetida pelo canal digital, quando se tratar do mesmo produto, ou de um produto basicamente igual”, ressaltou.

Uma segunda vantagem, de acordo com Cherto, é o fortalecimento da marca. “A presença física num shopping ou numa rua de comércio tende a reforçar a visibilidade e a credibilidade da marca, criando maior consciência e, portanto, maior confiança entre os consumidores. Cada loja funciona como uma espécie de outdoor vivo, além de funcionar como um espaço de experiência”, explicou.

Pesquisa feita pelo Conselho Internacional de Shopping Centers (ISC, na sigla em inglês), do Canadá, aponta que a abertura de uma nova loja física leva a um aumento médio de 37% no tráfego geral no website da marca. Segundo o administrador e consultor financeiro Jamberly Mattos, o varejo precisa aderir ao chamado OmniChanel, que significa chegar ao consumidor por todos os canais possíveis. “A empresa tem que ter a loja físicas, o e-commerce, o delivery, o take-out (Pague e Retire). Alguns supermercados aqui no Brasil já têm as chamadas DarkStores, ou seja, lojas para atender delivery e retiradas”, explicou.

“Por outro lado, o que foi percebido no pós-pandemia e com a Geração Z, é que as pessoas gostam da experiência, ou seja, muitas vezes elas vão nas lojas físicas para experimentar, conhecer o produto e, depois, até mesmo compram pelo canal on-line. Muitos lojistas relataram que o consumidor vai à loja e compra um produto que será entregue em casa. Ele foi atendido pela loja até o momento de finalizar a compra. Depois, ele já está sendo atendido pelo canal e-commerce”, comentou Mattos.

Já para o economista, especialista em reestruturação financeira de empresas, Luís Alberto de Paiva, o mercado não encontra limites para testar novos e velhos modelos de negócio.”Outra vertente das relações de consumo parece tentar se posicionar de maneira contrária, levando a experiência e o contato direto entre fabricante e consumidor de maneira mais calorosa e direta na comunicação, (Experience Store), trazendo a geração Z para lojas físicas”, pontuou.

“Nessa relação, o consumidor deixa o consumo através de mídias sociais e passa a consumir neste espaço de experiência. As operações on-line funcionam sempre como fidelização de produtos expostos fisicamente. O grande problema é que as lojas físicas demonstram e as lojas on-line vendem”, completou Paiva.

Exemplos recentes dessa migração incluem o Magazine Luiza, conhecido pelo seu e-commerce robusto, que recentemente anunciou a abertura de uma megaloja na Avenida Paulista, e o Enjoei, plataforma nativa digital que inaugurou três lojas físicas em 2024 com planos de expansão. Outro exemplo é o Grupo Petlove, que também investiu em lojas físicas para complementar sua operação digital.

Outra empresária que fez essa migração foi a Marianna Bezerra, fundadora da L’Avière Joias. Segundo ela, o digital foi a solução inicial para empreender durante a pandemia, enquanto trabalhava como enfermeira em UTIs. Começou vendendo joias para colegas e logo expandiu para as redes sociais. “O ambiente on-line oferecia segurança e alcance. Mas, com o crescimento das vendas, percebi que a loja física seria um diferencial para proporcionar uma experiência sensorial aos clientes”, contou.

A transição para o físico não foi fácil. Mariana enfrentou desafios como reformas e a escolha do ponto ideal. Ainda assim, a loja física se tornou um espaço para fortalecer a relação com os clientes e reforçar a essência da marca. “Hoje, tanto o on-line quanto o físico se complementam. Enquanto o digital amplia nosso alcance, o físico cria conexões mais próximas e fortalece nossa credibilidade”, afirmou.

“A principal diferença foi entender que no ambiente físico a experiência do cliente é muito mais sensorial e imediata. No on-line, precisamos usar imagens e palavras para transmitir confiança e desejo. No físico, é a atmosfera da loja, o atendimento pessoal e o contato direto com as joias que encantam. A transição foi mais fácil porque mantive meu foco na essência da marca e na relação com os clientes, seja no digital ou no presencial”, ressaltou.

A Uso Assim, uma marca pernambucana criada em 2016 por Álvaro Roberto e Laís, começou sua jornada exclusivamente on-line. “Não tínhamos recursos para abrir uma loja física na época. O digital era mais acessível e nos permitia vender sem os altos custos de um ponto comercial”, relembrou Álvaro. O Instagram e o site foram as plataformas escolhidas para dar os primeiros passos. No entanto, à medida que a marca crescia, surgiu a demanda pelo físico. O casal começou participando de feiras e eventos e logo percebeu a necessidade de expandir.

“Ao abrir nosso primeiro espaço colaborativo, foi um processo difícil. No primeiro dia, quase ninguém apareceu, mas aos poucos construímos uma base de clientes”, contou Álvaro. Em 2019, a marca inaugurou sua loja exclusiva em Recife, que permanece até hoje como um importante complemento ao negócio on-line. “A loja física permite que os clientes provem as roupas, tenham uma experiência sensorial e fortaleçam a conexão com a marca. Apesar de o site ainda ser nosso principal canal de vendas, a presença física agrega valor ao posicionamento da marca e diversifica nossas fontes de receita.”

Outra história marcante é a da ABÊ Sunglasses, marca de óculos fundada por Augusto Braz. A empresa nasceu durante a pandemia, quando Braz vendia os óculos diretamente de sua casa. “O digital democratizou o empreendedorismo. Comecei com um investimento baixo e consegui divulgar a marca pelas redes sociais. Mas percebi que meu produto exigia experimentação, algo que o on-line não oferecia”, conta.

A transição para o físico ocorreu de forma gradual, com participações em feiras e eventos. Quando decidiu abrir um espaço físico, Augusto viu sua marca ganhar ainda mais credibilidade. “Foi um divisor de águas. A loja agregou valor ao produto, proporcionou uma experiência mais completa e nos permitiu expandir para armações de grau, algo que seria difícil no ambiente digital.” Segundo ele, o espaço físico também oferece uma vantagem competitiva. “No on-line, concorro com grandes players que praticam preços baixos. No físico, consigo justificar preços mais altos ao agregar experiência e atendimento personalizado.”

No setor de moda, a NIINI, de Carol Celico, também seguiu esse caminho. A marca nasceu no digital. Carol aproveitou sua experiência com redes sociais para criar um e-commerce de sucesso. Após um ano operando exclusivamente on-line, decidiu abrir lojas físicas.

“O físico permite inserir o cliente no universo da marca. Nossa loja é projetada para estimular todos os sentidos, desde o toque dos tecidos até uma fragrância exclusiva”, explicou Carol. Hoje, a NIINI possui duas lojas em São Paulo, que ajudaram a fidelizar clientes e fortalecer o branding. “A experiência física impulsionou tanto as vendas quanto a comunicação da marca, apresentando a NIINI como um verdadeiro lifestyle.”

Janayna Rosa Gonçalves, fundadora da Jana Rosa Cosmetics, também encontrou no físico uma forma de melhorar o atendimento e oferecer um diferencial. “Minha empresa começou no digital por necessidade. Trabalhando fora, não tinha tempo para atendimento presencial. Mas percebi que queria criar um espaço onde as clientes se sentissem confortáveis e bem atendidas”, relembrou Janayna.

Abrir a loja física foi desafiador, especialmente para educar os clientes sobre a importância de agendamentos e atendimento personalizado. “No início, o faturamento caiu porque não estávamos alimentando o site como antes. Mas, com o tempo, as clientes se adaptaram, e hoje quase não temos horários disponíveis para o presencial”, comemorou.


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