Projeto Reintegro cria chance para apenados recomeçar em sociedade

“Temos a certeza de que a pessoa que entra no sistema penal vai sair de lá. A questão é: como queremos que ela saia?”, questiona a diretora de Políticas Penitenciárias da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que uniu forças com o Instituto Besouro de Fomento Social para criar o Reintegro, projeto que tem como objetivo capacitar, reduzir penas e estimular a reintegração de pessoas presas e egressas no Distrito Federal.

O público-alvo da iniciativa são homens e mulheres que cumprem penas nos regimes semiaberto e aberto no sistema prisional da capital. Noventa e seis presos passaram pelo projeto, que começou em agosto de 2021. Atualmente, são oferecidas oficinas de qualificação profissional de buffet e coffee break, design e produção de material gráfico, limpeza e conservação predial e movelaria de ferro e madeira. “A ideia é fazer com que o assistido saia do sistema prisional trabalhando, mesmo com pouco ou nenhum capital”, explica Márcio Sousa, coordenador-geral do Reintegro.

Ao ingressar no projeto, os assistidos passam a receber um salário mínimo mensal. O benefício é compensado por benfeitorias para a comunidade, como a revitalização de escolas, praças, Unidades de Internação de Saída Sistemática (Uniss) e outros equipamentos públicos. A sede do projeto é localizada em Samambaia Norte, onde os presos vão de segunda a sexta. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) é quem escolhe aqueles que poderão participar do projeto. Uma das regras é que eles não sejam integrantes de facções criminosas.

Além do salário mínimo, os presos também ficam com a renda gerada pelo trabalho que fazem, como o oriundo da venda dos móveis montados e a remuneração dos eventos produzidos por eles.

De acordo com o coordenador-geral Márcio Sousa, a taxa de reincidência dos presos no crime, após entrar no projeto, é zero. “Dezoito dos 27 gestores de administrações penitenciárias estaduais de todo o país já vieram conhecer o Reintegro. A ideia é replicar o projeto em outros lugares”, afirma o pedagogo. A iniciativa é financiada pelo Senappen, que também acompanha os trabalhos desenvolvidos pela parceria.

Ao conhecer melhor o projeto, é possível perceber que o Reintegro é mais do que apenas capacitar profissionalmente pessoas do sistema prisional. É feito todo um trabalho que alia a capacitação com os anseios de vida dos assistidos. “Ao chegar aqui, a gente pergunta para ele ou ela qual é o seu sonho. A partir daí, elaboramos um plano para que o assistido consiga atingir seus objetivos”, explica Márcio. E não importa se o sonho não se encaixa em nenhuma das oficinas disponibilizadas pelo projeto.

Foi o caso de Mateus da Silva, 25 anos, que chegou ao Reintegro em agosto de 2021. “Quando cheguei fiquei receoso. Mas, o Márcio me falou que eu estava aqui para trabalhar, mas sim para aprender”, lembra. Mateus já havia trabalhado em uma gráfica, quando tinha 20 anos. Antes disso, quando ainda era menor, passou por uma unidade socioeducativa.

O sonho revelado por ele era trabalhar com gráfica, experiência de trabalho que já havia tido antes. O Reintegro não oferecia oficina de design e produção de material gráfico, mas o esforço de conseguir os equipamentos e um alguém para capacitá-lo foi feito. Hoje, sem dever mais nada para a justiça, ele tem a própria gráfica em casa, de onde tira o sustento da sua família.

No antigo emprego, o chefe lhe havia prometido ensinar a mexer em programas de design e nas impressoras. Promessa que nunca foi cumprida. “Na Reintegro me ensinaram tudo isso. Aposto que hoje ele quer me contratar de novo”, brinca. Mateus já foi chamado para parcerias e recusou três propostas formais de emprego. “Quero o meu próprio negócio.”

Quando chegou ao projeto, Rômulo Martins Freire de Oliveira, 25 anos, não tinha um sonho. Em uma conversa com Márcio, ele lembrou que, durante a adolescência, ajudava a avó a vender pastéis nas ruas de São Paulo. Foi a memória que o fez liderar uma equipe do buffet da festa junina do Senappen. “Eu achei massa. Minha família sempre mexeu com comida, então acho que tinha a ver. O Reintegro mudou a minha vida”, orgulha-se.

De lá para cá, Rômulo tem comandado serviços de buffets e coffee break em diversas ocasiões, inclusive em eventos na Esplanada dos Ministérios. O então ministro da Justiça Flávio Dino foi uma das figuras ilustres que utilizou os serviços de Oliveira, que está há cinco anos no regime aberto.

“É um depósito humano, um inferno. Aprendeu nada nesse período, só cela, concreto e convívio com outros presos, muitos faccionados”, descreve André Arley Alves, 36 anos, que passou nove anos em regime fechado. Agora, ele está há cinco anos no semiaberto. Antes de chegar ao Reintegro, há um ano, trabalhava em uma regional de obras do GDF. “Cheguei aqui achando que seria um serviço exploratório, mas logo recebi um atendimento com psicólogo e cursos profissionalizantes”, lembra.

Em 2021, o apenado decidiu fazer o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja). “Quando eu cheguei aqui e vi um ambiente saudável, acolhedor, com computador, internet e impressora, pedi ao Senappen a oportunidade de estudar. Eles aceitaram meu pedido e me deram uma sala”, lembra.

Atualmente, André é aluno de gestão de negócios no Instituto Federal de Brasília (IFB). “É um desafio ter 36 anos, 20 anos sem estudar e entrar em um ambiente com pessoas com a cabeça fresca, que acabaram de sair do ensino médio. Se não fosse o projeto, eu não conseguiria”, reflete. Ele mostrou para a reportagem o componente curricular do semestre que concluiu ano passado: aprovados em todas as disciplinas e nenhuma falta. “Hoje eu me sinto um cidadão. Meu filho me respeita, me chama pra sair. Minha mãe está satisfeita comigo. Hoje eu cozinho para a minha esposa. A comida na prisão é horrível”, relembra.

Daqui para frente, o plano dele é concluir os estudos e abrir o próprio negócio de alimentação ou de artigos eletrônicos. “Não quero mais voltar para o crime”, confessa.

A ideia do projeto partiu de Juciane Prado, coordenadora-geral de Cidadania e Alternativas Penais do Senappen. Conhecendo o sistema penal por dentro, há 17 anos, ela conta que o objetivo é trabalhar a co-responsabilidade na segurança pública e execução penal entre estado e sociedade civil. “Execução penal é uma área muito desconhecida e há o estigma com as pessoas do sistema prisional, o que dificulta que elas consigam um emprego”, analisa.

“O objetivo é proporcionar um espaço de trabalho fora do presídio, oferecendo capacitação para trabalhar ou abrir o próprio negócio”, conclui.


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