Desde o início da discussão no Congresso do projeto para tributar fundos de investimentos exclusivos fechados (destinados a aplicações de mais de R$ 10 milhões) e offshore (sediados no exterior), que foi aprovado hoje no Senado, tem levado super-ricos a traçar estratégias para escapar do novo imposto e evitar a perda de rendimentos no longo prazo.
Por enquanto, esses dois veículos de aplicação têm regras distintas das usadas para fundos comuns à classe média. Enquanto o investidor regular precisa pagar o chamado come-cotas, que é uma tributação semestral descontada diretamente dos fundos abertos nos meses de maio e novembro, os fundos exclusivos fechados só são tributados na hora do resgate.
Por essa característica, são muito usados por famílias para acumulação de patrimônio a ser passado de pais para filhos. No caso dos fundos offshore, atualmente, o imposto só é cobrado quando o dinheiro retorna ao investidor. Com a instituição de cobranças periódicas, a previsão de arrecadação com ambos estimada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), relator do projeto, é de cerca de R$ 20 bilhões.
Analistas dizem que o impacto nos rendimentos pode ser expressivo no longo prazo por causa do efeito dos juros compostos. Ao invés de obter um rendimento em cima de uma base de R$ 100 de lucro, por exemplo, os juros da aplicação seriam calculados em cima de R$ 85.
Assim, a quantia guardada ao longo de 30 anos seria bem menor em relação à quando a cobrança do imposto era exclusivamente no resgate.
Planos de previdência podem ser alternativa
Sharon Halpern, sócia e private banker da Blackbird Investimentos, acredita que os fundos de previdência podem ser muito procurados caso a mudança na tributação realmente ocorra por não estarem sujeitos a “come-cotas”.
— Com o come-cotas duas vezes ao ano, vai ter sempre a beliscada de uma parte do recurso que continuaria rendendo por muito tempo. O efeito é exponencial. O investidor vai ter que se planejar melhor — avalia.
Outra vantagem é que, em caso de herança, os planos de previdência VGLB (vida gerador de benefício livre) não precisam passar por inventário para os valores serem utilizados pelos sucessores.
Nos PGBL (plano gerador de benefício livre), conforme explica o professor de Direito Tributário da UFMG, André Mendes Moreira, sócio-conselheiro de Sacha Calmon – Misabel Derzi Advogados, há incidência do imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD) porque o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu sua natureza de aplicação financeira, embora o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda vá reanalisar a questão.
Carolina Volcov, sócia-fundadora da Semeare Investimentos, também defende a previdência como uma alternativa. Pelos seus cálculos, esse tipo de investimento poderia receber até 10% dos R$ 228 bilhões guardados em fundos exclusivos fechados, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
— Até 2019, os fundos de previdência eram muito restritivos. Mas uma mudança na legislação os tornou mais flexíveis. Dá para adotar uma estratégia semelhante à de um fundo multimercado, por exemplo — conta Carolina. — Hoje a previdência privada é uma excelente alternativa para médio e longo prazo.
Planejamento para uma década
Com tributação inicial de 35%, a previdência privada se tor na interessante quando os recursos podem ficar parados por pelo menos dez anos, quando a alíquota cai para 10%, ressalta Ricardo Lopes, sócio e head de Wealth Solutions da Monte Bravo. Em sua visão, os super-ricos terão que encontrar outros destinos para a parte dos recursos guardados que pretendem usar no curto prazo:
— Acredito numa demanda maior para Certificados de Recebíveis Imobiliários e de Agronegócio (CRIs e CRAs) e para debêntures incentivadas, para ativos que podem ser usados em menos de dez anos.
Para investidores mais arrojados, ou seja, que estão dispostos a assumir mais riscos para obter maiores ganhos, os fundos de ações também seriam uma alternativa, já que não há a cobrança do come-cotas. Lopes destaca que, para isso, é necessário que tenham pelo menos 67% dos ativos aplicados em renda variável.
O analista da Aware Investments, Pedro Neves Ribeiro, concorda que os recursos dos fundos exclusivos fechados poderiam ser divididos entre fundos de previdência ou fundos de ações, visando o longo prazo, e CRAs, CRIs e títulos públicos do governo para curto prazo. A estratégia, no entanto, não seria capaz de blindar em 100% os bilionários de qualquer nova tributação.
— Eliminar o impacto de impostos totalmente não será possível. Redesenhar a carteira é mais sobre ter um ganho de eficiência do que ficar imune — diz.
Mudança de domicílio fiscal é uma saída
A mudança de domicílio fiscal para países como Portugal e Espanha é sugerida por Ribeiro diante da tributação dos fundos offshore, embora estime que essa artimanha possa ser menos utilizada pelos investidores.
O CEO da Inteligência Comercial e Country Manager da Savel Capital Partners, Luciano Bravo, também enxerga a alteração da residência fiscal como um caminho, indicando Suíça e Luxemburgo como destinos possíveis.
Felipe Coelho, sócio de Impostos da EY, destaca que, antes de qualquer decisão, é preciso uma análise profunda tanto das implicações tributárias, como das implicações sucessórias, nas duas jurisdições.
— Na maioria das vezes, grande parte do patrimônio gerador de renda do contribuinte continua localizado no Brasil, sujeito às regras locais de tributação aplicáveis aos não residentes fiscais — alerta.
E acrescenta que o contribuinte deve optar por países que tenham acordos com o Brasil para evitar a dupla tributação da renda através da compensação de créditos fiscais.
Tributação de estoque é alvo de críticas
O projeto para tributar fundos de bilionários estabelece uma regra que vem sendo alvo de muitas críticas: a tributação do estoque. Isso significa que quantias acumuladas nos fundos até então também estariam sujeitas a pagamento de imposto. Especialistas argumentam que a cobrança é inconstitucional.
Inicialmente, a proposta previa cobrança de 15% sobre os volumes arrecadados no passado através desses fundos. Porém, uma nova versão do texto reduz a cobrança para 8%, em até vinte e quatro parcelas, a quem começar a quitar a dívida até maio de 2024.
Entretanto, para quem não aderir até o fim do prazo, volta a valer a alíquota maior.
Professor de Direito Tributário da UFMG, André Mendes Moreira, diz que, embora a cobrança seja ilegal do ponto de vista jurídico, a estratégia do governo pode evitar um enorme número de judicializações, porque os investidores tendem a ficar com medo de perder o desconto, não ganhar a causa e ainda ter que arcar com as custas processuais.
— Tributar o passado é inconstitucional. Mas, se a lei for aprovada, cada investidor vai ter que ir à Justiça para conquistar o direito de não ser cobrado. Acredito que as chances de êxito sejam grandes — considera.
Mesmo assim, Ricardo Lopes, sócio e Head de Wealth Solutions da Monte Bravo, avalia que o relator não deve voltar atrás e retirar do texto o item que estabelece a cobrança sobre o estoque.
— Pode existir judicialização quando fala da tributação de estoque por ser um benefício adquirido. Mas, para o governo, com objetivo arrecadatório, seria fundamental. Fala-se numa arrecadação de até R$ 15 bilhões apenas nisso — calcula.
Em nota, o deputado Pedro Paulo diz que “sempre há risco de judicialização quando se altera alguma regra”. Ele argumenta que os rendimentos dos fundos exclusivos já são tributados e que “o projeto apenas prevê a cessação de disposições que possibilitam a postergação”.